Monday, February 29, 2016

NO TEMPO DE EU MENINO

(O primeiro suicídio)
Um dia, eu era menino, vi uma prostituta pegando fogo. Foi na ladeira da Zona de Baixo Meretrício, no tempo de Núbia Lafayette cantando “Lama” - música que, em desabafo, se vingava: Hoje, quem me difama, viveu na lama também. 
À noite, quando Núbia cantava, eu via a prostituta pegando fogo, a sua pele queimando, e o seu peito ondeando, sufocado. Desesperada, saíra correndo da casa, aos gritos, e caíra, no meio da rua, emudecida. Foi o meu primeiro suicídio. 
À sombra da muralha de adultos que se comprimia, eu olhava pela brecha, olhava... E, pálido, meio magro, desintoxicado, em solilóquio, indagava: Cadê Deus?
Passei uns dias sem comer direito, com a boca amarga, pelos cantos de parede, com vontade de chorar. Não podia ouvir Núbia cantar.
Mas, fui crescendo, crescendo, e fiquei sabendo que foi por causa de amor. O que é o amor? – eu me punha a perguntar. 
Um dia, já menino grande, eu comecei a me explicar. O amor não tem explicação, o amor é só amar. O amor arde, o amor queima, pode até incendiar.

Sosígenes Bittencourt

Friday, February 26, 2016

MANHÃ DE SÁBADO

Manhã de sábado. O celular toca: 
Está onde, professor?
- Viajando, minha filha.
Viajando onde?
- Em minha casa.
E sua casa anda?
- Não, estou lendo Manuel Bandeira. 
E o senhor viaja, quando lê, é?
- Tem gente que viaja cheirando loló.
Então leia pra mim.
- Veja essa, por exemplo:
BRISA
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.
Forte abraço!
Sosígenes Bittencourt

Thursday, February 25, 2016

SOBRE A BREVIDADE DA VIDA

ser humano é um animal sem solução. Ele tem sempre a impressão de que há algo de errado consigo mesmo. Sobretudo quando submetido à angústia de que a morte é o horizonte da vida.
Todo ser humano tem um livro escrito na memória que vai folheando, folheando... Às vezes, desprende um aroma. É o passado intrometendo-se na vida da gente, o passado sempre presente. O passado que se alonga, e o futuro que vai se tornando cada vez mais curto.
A brevidade da vida relembra o poeta romano Horácio (65 - 8 a.C.), agoniado com a fugacidade do tempo: Eheu! fugaces labuntur anni!: Ai de nós! os anos correm céleres.
Tudo que nos mantém vivos, nos mata. Sem o oxigênio, morreríamos; por causa do oxigênio, morreremos. Sem colesterol, morreríamos; por causa do colesterol, morreremos. Se não comêssemos, morreríamos; porque comemos, morreremos. Tudo que nos faz viver corrói a vida. Tudo que auxilia na vida, auxilia na morte.
O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) referiu-se ao tempo de vida: Um minuto de vida é idade suficiente para morrer.
Efêmero abraço!

Sosígenes Bittencourt

Friday, February 19, 2016

MORTE DE UMBERTO ECO

(05 de janeiro de 193219 de fevereiro de 2016)
Eu não conheço melhor forma de homenagear um filósofo e escritor da dimensão do falecido italiano Umberto Eco do que lendo algo de sua lavra. Por isso, resolvi publicar algumas reflexões do autor de O Nome da Rosa.
Acho que um escritor deveria escrever o que o leitor não espera.
Os livros impressos não desaparecerão por causa das versões eletrônicas. Não conseguiremos nos livrar dos livros.
As pessoas nascem sempre sob o signo errado, e estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo.
Rir do mal é não estar disposto a combatê-lo.
Justificar tragédias como "vontade divina" tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.
Apenas os pequenos homens parecem normais.
O que os faz viver é o que os faz morrer.
O riso é a fraqueza da nossa carne.
Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. 
Uma boa quantidade de informação é benéfica. O excesso pode ser péssimo.
Uma guerra leva todos para a derrota.
Requiescat in pace
Sosígenes Bittencourt


Saturday, February 13, 2016

O REMÉDIO É AMAR

Nada melhor do que sobreviver ao morrer de amor.
Porque morrer de amor é uma forma de sobreviver.

O ser humano nasceu para amar desde que migrou da PAZ intrauterina. É como se fosse atirado de um avião a 13 mil metros de altitude, a 800 km por hora. A busca de amparo no OUTRO é o primeiro movimento amoroso, a procura do PARAÍSO PERDIDO.
E se o amor é remédio para o desamparo, por que não entregar-se de corpo e alma a esse TRATAMENTO?

Sosígenes Bittencourt

Friday, February 12, 2016

INVENÇÃO EM TORNO DA MINHA MORTE OU O VERBO MORRER-ME

É tanta invenção em torno da minha morte, que inventei o verbo "Morrer-me". Verbo que não pode ser conjugado em todas as pessoas.
É assim: tu me morres, ele me morre, vós me morreis, eles me morrem. Por quê? Porque nem eu morro nem ninguém tem coragem de me matar. Então, eu não sou morto, sou MORRIDO.
Bom frisar que morrer de mentira faz mais sucesso do que morrer de verdade, não é todo dia que se é um morto andando pela cidade.
Portanto, todo mundo morre, mas, comigo, é diferente, todo mundo "me morre".
- Sosígenes, você andou morrendo?
- Não, meu nobre, andaram "me morrendo".
Ressuscitado abraço!
Sosígenes Bittencourt

Tuesday, February 09, 2016

DA RESSACA

DA RESSACA
A ressaca parece ser um dos sinônimos clínicos do Carnaval. Isso porque a maioria dos foliões só se sente à vontade para liberar os seus fantasmas interiores, embebendo a caveira em cachaça. É o que se poderia chamar de auto-indulgência ou catarse suicida. Dizem que deglutir ovo cru, tomar chá açucarado ou encher a barriga de água são recursos eficazes no tratamento da ressaca. Mas, tudo não passa de mero paliativo. O fígado que o diga, mais sobrecarregado do que Hércules perante os colossais enfrentamentos.
Logo ao receber o álcool, o fígado o transforma em acetaldeído, uma substância venenosa, acusada de engendrar a macabra indisposição alcoólica. Se a bebida for escura, tipo vinho tinto ou conhaque, o cão chama-se metanol. A sensação, às vezes, é de ter engolido um paralelepípedo, o que a ciência médica chama de peso epigástrico.
O ovo cru é considerado um eficiente gari na remoção do lixo tóxico porque contém cisteína, um aminoácido sanitário que contém glutationa. Se a glutationa se esgota, os radicais de oxigênio livres desencadeiam a deterioração dos tecidos.
A água favorece o reabastecimento hídrico do organismo, pois o álcool suga os fluidos corporais, fazendo o rim saarizado beber a água da urina, e o cérebro ficar seco.
O chá açucarado repõe o estoque de açúcar que o álcool roubou do armazém hepático. A Medicina chama esta ocorrência de hipoglicemia, uma penúria que afraca a vítima, deixando-a tonta e bamba. Enfim, o ideal seria não beber e fazer exercício físico no remelexo do ritmo. Sobretudo, evitar a embriaguez, que faz o corpo periclitar na avenida.

Sosígenes Bittencourt

Friday, February 05, 2016

CARNAVAL E CARNAVALIZAÇÃO

Você pode brincar Carnaval, não pode carnavalizar a vida. Carnaval é uma festa, não é uma lei, é escolha, não é obrigação. Brincar Carnaval não significa impor seu ritmo, sua vontade à vontade dos outros, submeter os demais aos seus caprichos.
O Carnaval teve origem na Grécia, foi adotado pela Igreja Católica e popularizou-se na Europa sem nenhuma correlação com pornografia. Pornografia é desrespeito e sempre será. Você não pode extrapolar os limites de sua liberdade ao ponto de atropelar o direto do seu semelhante. Ninguém pode estar obrigado a ouvir tudo que você queira dizer ou fazer em qualquer lugar ou a qualquer momento. Sequer uma Música Clássica. Se você desfilasse tocando Bach ou Beethoven, não estaria cometendo uma pornografia, mas estaria obrigando o seu semelhante a ouvir aquilo que ele não queria.
Respeito ao próximo deve ser coisa ensinada na tenra idade e vivenciada no dia a dia. Respeito quando é imposto, mediante punição, é sinal de que as pessoas não foram educadas para respeitar. Por isso, tanta estranheza. Proibir pornografia não tem a ver comCENSURA, tem a ver com RESPEITO. Zelar pela educação das crianças é questão até de Saúde Pública.

É que a Imoralidade no Brasil foi dessubjetivada, passando a fazer parte de nossa cultura. Por isso, tanto arrepio mediante sua proibição.  
Sosígenes Bittencourt

CARNAVAL, TEMPO DE FANTASIA

A minha fantasia é de idoso
e o costureiro é o tempo.

Sosígenes Bittencourt


Tuesday, February 02, 2016

CARNAVAL E CONFUSÃO

Cuidado para você não pensar que está brincando Carnaval e estar mergulhado numa Confusão. Há quem brinque Carnaval para se DISTRAIR, e há quem brinque Carnaval para se DESTRUIR.
Essa semana, desfilou um bloco que não parecia estar brincando Carnaval, parecia estar ensaiando uma Confusão. O som era ensurdecedor, e ninguém entendia o que o conjunto cantava. Uma récua de bêbados ladrava palavrão e gesticulava pornografia, acompanhada pela Polícia, de cassetete em punho, já na posição de aprumar o esqueleto da macacada.
Cuidado para não confundir liberdade de expressão com constrangimento moral. A liberdade termina onde começa o direito do outro.
Por exemplo:
Mulher nua, para quem quer ver, é opção;
mulher nua, para quem não quer ver, é imposição.

Mulher nua, para quem deseja, é divertimento;
mulher nua, para quem não deseja, é enxerimento.

Mulher nua, entre casal, é Carnaval;
mulher nua, no meio da rua, é bacanal.

Confuso abraço!
Sosígenes Bittencourt 

Monday, February 01, 2016

TEMPO DE MISERICÓRDIA


Eu não sou religioso, mas Deus me livre que Deus não exista. Karl Marx dizia que "a Religião é o ópio do povo." É melhor ter a Religião como ópio do que acreditar em Vladimir Putin e Barack Obama. Se acreditar em Deus é estar iludido, acreditar nos Xerifes do mundo é a suprema desilusão. A desilusão é a inscrição do Portal do Inferno de Dante: "Ó, vós que aqui entrais, perdei toda esperança."
Não, a vida não pode ter o fim da Divina Comédia. Deus nos defenda!
Misericordioso abraço!

Sosígenes Bittencourt

DELAÇÃO PREMIADA E DELAÇÃO NA PORRADA

Delação Premiada é quando você rouba um milhão
e, sem pressão, acusa o coautor do crime.
Aí, você tem direito a ir para casa
e usufruir do dinheiro roubado.

Delação na Porrada é quando você rouba um sabão
e, debaixo da porrada, você é obrigado a denunciar o coautor do crime.
Aí, se houver coautor, ou não,
você apanha pra comer sabão
e apanha pra saber que sabão não se come.

Discriminado abraço.

Sosígenes Bittencourt