Tuesday, May 20, 2014

Detrás de minha casa



Detrás de minha casa, de um alpendre, eu vejo os telhados das casas vizinhas, a rua lá embaixo, a serra lá longe, o céu escampo.
À tarde, quando é verão, as nuvens relembram minha infância. Eu ficava vendo as nuvens formar carneirinhos, às vezes um monstro. Um dia, eu vi um bule direitinho.
Detrás de minha casa, eu ouço o palavreado de minha cidade, o cheiro de pão francês, ruído de caminhão, latido de cachorro. Agora, deu pra passar helicóptero, besourando, com aquela cauda de gafanhoto. Quando é amarelo e preto, eu só penso que é a polícia catando vendedor de marijuana.
Havia uma fábrica que passava a vida funcionando. Faziam biscoito. O cheiro de morango, de chocolate e frutas cítricas era tão forte que a gente acordava, de madrugada, para beber água de quartinha. Hoje, só escombros, as lagartixas se despencam dos muros, frágeis de inanição.
Detrás de minha casa, vemos homens que jogam dominó para esquecer o tempo, passar as horas. Como se fosse perigoso pensar na vida. Quem bota pra pensar na vida, geralmente pensa na morte. Melhor ser um gato, um peixe, um passarinho.
Sosígenes Bittencourt

2 comments:

Sosígenes Bittencourt said...

O passado é o único tempo eterno, pela impossibilidade de modificá-lo, porque não tem princípio nem fim. Reviver o passado, como se estivéssemos nele, é alargar nosso tempo de vida. O tempo é o tecido de nossas vidas. Nós somos feitos de tempo e daquilo que fazemos com o tempo que dispomos. Reviver o passado é a celebração da memória.

Sosígenes Bittencourt said...

O passado é um livro não publicado. Todos nós carregamos um livro de memórias dentro do cérebro. E o nosso coração é um cofre cheio de emoções. Tudo nos reabre esse livro, o passarinho que anuncia a aurora, o sol incandescente que devora as horas, a noite que vem forrando o dia com seu lençol de estrelas. Às vezes, penso que, se não fosse a poesia, o mundo acabaria.