Friday, June 08, 2007

Fala, Vitória










Angélica mudada

Como Angélica mudou. Ninguém a conhece mais. A menina que vendia detergente, moradora das Malvinas. Louca para vencer na vida, quase perde o juízo, pois nem podia estudar. Vivia estafada de tanto viajar pelo interior, na labuta para obter o sustento de sua família. Trabalho intelectualmente estéril, muscular, cuja grandeza consistia em buscar a manutenção de seus dois filhos, pais e irmãos, com a misericórdia que move as almas que amam. Misericórdia vem de misereo + cor, que quer dizer com a miséria no coração. A magnífica capacidade de abrigar a dor do outro dentro de si mesmo. Alguns, os mais curiosos, mais lidos, chamam-na de empatia. Seu nome é Angélica, misto de menina de origem pobre e postura de anjo. Quando se viu, porém, sem horizontes, em Vitória de Santo Antão, danou-se para o Sul do país. Depois de morar no Rio de Janeiro, a outrora apenas Cidade Maravilhosa, passou-se para São Paulo. Tudo isso faz 6 anos. De repente, eis que me aparece, à noitinha, na Pizzaria e Restaurante Chaplin, lugar onde converso com amigos e repasso o que li durante o dia. Naquele instante, como um CD de forró eletrônico nos proibisse de raciocinar, fomos para a praça. Em meio a meninos pedindo um real e alunas que gazeiam aulas para namorar, a observação: “Isso aqui não muda nunca.” Finalmente, sentados em frente a uma barraquinha de cachorro-quente, iniciamos a conversa:

O que queres beber, Angélica ? – pergunto, abismado com o verniz de educação adquirido pela menina.

– Um guaraná – para o meu maior espanto.

Que vieste fazer neste mundo velho ?

– Procurar o pai dos meus filhos para fazê-lo cumprir a Pensão Alimentícia dos menores, e descobrir quem sacou o PIS de meu falecido pai que, calejado de trabalhar na agricultura, nunca se aposentou.

Valha-nos, Deus!
Sosígenes Bittencourt

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