Thursday, May 26, 2016

O CATADOR DE LIXO

Na frente de minha casa, um catador de lixo, degradado, cata comida entre sacos de plástico biodegradável.
Porém, nada ensaca sem cheirar, amolegar ou chupar o dedo. Muito cuidadoso, vai separando o que julga comestível entre os detritos orgânicos em putrefação.
Olha para um lado, para o outro, como se temesse ser expulso de sua refeição por algum burguês metido a brabo.
De repente, todo espantado, é convidado por uma vizinha ao lado, que, generosamente, oferece-lhe pão limpinho em saquinho degradável. Ele sorri, atravessa a rua e o recebe. Mas, devido à situação, retorna à degradante catação.
Depois, se cata e some em meio à poluição.
Degradado abraço!

Sosígenes Bittencourt

Wednesday, May 25, 2016

OPERAÇÃO "LAVA JATO"?

De saída, é bom observar que a expressão “lava jato”, sem hífen, não existe como substantivo. Ou seja, “lava jato” só poderia ser empregada em referência a um profissional que lavasse avião a jato. Exemplo: Seu Felisberto é um profissional que lava avião com propulsão a jato. Seu Felisberto lava jato. Portanto, “lava” seria verbo, e “jato”, substantivo.
Encontrei uma senhora, no meio da rua, que me perguntou o que eu achava da Operação Lava Jato. Ao que respondi: - Uma vergonha!
Aí, perguntei-lhe o que ela achava e logo obtive resposta: - Eu acho que a Justiça deveria pegar todos os políticos, colocar num avião a jato e atirar no mar, aí seria uma Operação Lava Jato.
Gramatical abraço!

Sosígenes Bittencourt

Wednesday, May 18, 2016

CONCURSO PÚBLICO DO INSS

Foram 120 questões a serem respondidas em 3 horas e 30 minutos, com direito a quesitos de Lógica, mas sem direito a usar sequer um anel de noivado e só podendo urinar escoltado.
O concorrente só poderia levar a prova se ficasse plantado na carteira escolar até o final do concurso, e, depois de entregar o gabarito, não teria mais acesso ao water closet.
Houve celeuma quanto a meninas que tilintavam de frio, outras que precisavam tomar remédio ou colocar algum alimento na mucosa estomacal.
Alguns imprevidentes tiveram que providenciar caneta com tinta preta em invólucro transparente.  
Os mais descontentes criticavam, ora com furor, ironia, ou humorismo, bem ao estilo tupiniquim da pátria de Zé Carioca.
Depois, todos voltaram para casa, à Hora do Ângelus, mais desconfiados com o destino do que o gabarito de si mesmos.

Sosígenes Bittencourt


Monday, May 16, 2016

MORTE DE CAUBY PEIXOTO

Apesar da carinha de mulher e trejeitos femininos, Cauby Peixoto era adorado pelas mulheres mais refinadas e românticas do seu tempo e uma das vozes masculinas mais bonitas do Brasil. Cantor poliglota, já chegou a ser considerado o Elvis Presley brasileiro. O seu estilo era chamado de estilo “dândi”: voz grave e aveludada, cabeleira e figurino exóticos.
De família de músicos, Cauby era um carioca do signo de aquário, dado à luz em fevereiro de 1931. Risonho e descontraído, como se estivesse na aurora da existência, nem ligava para a contagem do tempo, dizendo que conservava a voz, não tomando nada gelado, totalmente sem vícios e nunca se aperreando. Indagado sobre o segredo de não se aperrear, confessava que era porque convivia com pessoas calmas. Naturalmente, era uma permuta de compreensão e paciência, porque os calmos mutuamente se acalmam.
Sobre o prazer de cantar, dizia que, se ninguém pagasse para ele cantar, pagaria para fazê-lo.
E se alguém duvida do exposto, é só comprovar, ouvindo sua voz. Um verdadeiro espetáculo!

Requiescat in pace!


Sosígenes Bittencourt

Saturday, May 14, 2016

MORTE DE SUSANNAH MUSHATT JONES

Gostar de viver foi a norte-americana Susannah Mushatt Jones. Dada à luz aos 6 dias de julho de 1899, desapareceu quinta-feira, dia 12 de maio, tendo habitado a Terra, fazendo parte da humanidade em três séculos: XIX, XX e XXI.
Apesar de haver sofrido escravidão e sido vítima de racismo, haver passado apenas 5 anos casada e comer toucinho defumado com ovos diariamente, Susannah não foi um ser humano poliqueixoso nem perdeu o gosto pela vida. Encantada com os estudos, ávida por conhecimento, dedicada às crianças e lutando por causas nobres, a supercentenária pugnou pelo voto das mulheres e direitos civis em geral.
Susannah não teve o amor de um homem durante sua longa existência, não teve riqueza e foi discriminada por sua origem e cor da pele. Contudo, não tinha vícios, nunca intoxicou o seu corpo com drogas recreativas, e amava incondicionalmente, o que tornou sua vida um exemplo de que “o essencial para a nossa felicidade é a nossa condição íntima, e, desta, somos nós os senhores” - como bem o dissera o filósofo latino Epicuro de Samos, nascido 341 anos antes de Cristo.
Requiescat in pace!

Sosígenes Bittencourt

Thursday, May 12, 2016

MÊS DE MAIO - NO TEMPO DE EU MENINO

mês de Maio sempre foi um mês dedicado à mulher. Mês de Maria, de se celebrar o namoro e o noivado, místico período entre os prazeres da carne e o sacrifício do espírito, o desregramento e a temperança, a fornicação e a castidade. Mês de se respeitar a mãe e desobedecer-lhe. Recebido com ovação, o Papa veio condenar tudo que é vontade do corpo e seduz o cérebro. Lembra-me O Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, trespassada pela seta de um anjo, magnificamente burilada por Bernini, no século XVI.
Quem danado agüentava, em Vitória de Santo Antão, embora calma, sem os agitos nem a desobediência reinante de hoje, controlar-se, com a popularização da minissaia? De repente, quando não se podia ver um tornozelo, lá estavam os joelhos das meninas do Colégio Municipal e do Colégio das Freiras à mostra. Naquele tempo, o desejo vinha embalado pelas músicas de Roberto CarlosRenato e seus Blue Caps e The Fevers, o que emoldurava o apetite com uma vaga sensação de amor. Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, porque a Medicina ainda não mapeara o cérebro e a endocrinologia cabia em algumas folhas de caderno. Mas, só Deus sabe o quanto a enxurrada de hormônios fustigava a pele da adolescência de tanta emoção. Os namoros eram na calçada, fiscalizados, com hora marcada. Cinema, só com acompanhante, geralmente um irmãozinho bobo, comedor de bombom, mas fuxiqueiro, cujo perigo residia em contrariá-lo. Os cinemas eram o calorento Cine Braga e o inesquecível Cine Iracema, espaçoso, onde se podia procurar um lugar mais reservado para beijar. Todo mundo ficava tomado, neste mês de maio, de uma expectativa de noivado, casamento e maternidade. Festejava-se a mãe, a namorada e se fazia plano para o futuro. Chegávamos a imaginar como seriam nossos filhos. Se pareceria com a mãe ou seria uma escultórica mistura dos olhos de um com o nariz do outro. Eita, mundo velho!
Sosígenes Bittencourt

Tuesday, May 10, 2016

O TAL DO BOLSA-FAMÍLIA

Duas mulheres revelaram, esta semana, que jamais apoiariam o impeachment de Dilma, pois recebiam Bolsa-Família. Uma delas, inclusive, salientou que votou em Dilma com medo de Marina Silva, porque Marina ameaçou cortar o benefício.
Indagada se ela conseguiria sobreviver com o Bolsa-Família, responderam que “não”, mas que, sem ele, seria pior.
Ora, nenhum cidadão de vocação judaico-cristã seria contra qualquer benefício financeiro concedido, pelo governo, ao povo. Contudo, os beneficiados pelo Bolsa-Família não compreendem que o auxílio é um anzol para pescaria de voto e não avaliam os malefícios causados pelo desmoronamento dos serviços públicos.

O nível de percepção de nosso povo é muito prejudicado pela falta de educação. Daí, muitos, esquecerem a dignificação do trabalho e se agarrarem ao Bolsa-Família como último galho ressequido em meio a uma inundação.

Esta observação, não obstante, não incrimina unicamente Dilma Roussef, mas todos que procederam ou procedem desta forma. Por exemplo, se Michel Temer e Aécio Neves estão de tal forma animados com o impeachment de dona Dilma, por que não cortam os benefícios que julgam eleitoreiros e mantenedores da miséria e anunciam investir em Educação, Segurança e Saúde, para enfrentar as urnas como cidadãos que dignamente resgataram o povo dos crimes cometidos pelo PT? Fica a indagação.
Sosígenes Bittencourt


  

Saturday, May 07, 2016

DIA DAS MÃES

Hoje é dia das mães.
Ontem foi dia das mães.
Amanhã será dia das mães.
Todo dia, todo tempo é dia das mães.
Enquanto houver uma pulsação de amor,
onde houver o ato da fecundação
será momento de se comemorar a vida.
Hoje é dia da vida, é dia do mundo. 
Não foi em vão que já se chamou a natureza
de Mãe Natureza.
Hoje é dia do instinto,
do misterioso impulso para a multiplicação,
de toda forma de vida,
dos micro-organismos, de todos os animais, dos vegetais.
Hoje é dia das mães.
Hoje é dia da vida.
Hoje é dia de Deus.

Sosígenes Bittencourt

Thursday, May 05, 2016

RECEITA PARA ENCANTAR MÃE SOLTEIRA

Um dia, eu conheci uma morena amamentando uma menininha. Era uma moça pobre, com cara de indígena, os olhos amendoados, o cabelo derramando-se em volta do rosto, rolando pelo pescoço. Era todinha uma índia, os seios sacolejando por trás da blusa, desprovidos de corpete. Eu só me lembrava dos irmãos Villas-Boas, dos acessos de malária, cara pintada, milho e mandioca.
Todavia, para conquistar mãe solteira, é preciso um certo talento, um certo jeito e muita paciência. Eu via aquela menininha que parecia uma indiazinha, nos braços daquela morena avermelhada, sugando-lhe as tetas com tanta ternura; ela, calada, olhando para dentro de si mesma. Ficava meio enxerido, querendo participar daquilo que não me pertencia.

Foi, foi, foi, um dia, devagarinho, movido pela ajuda, todo cuidadoso, peguei a menininha nos braços. A menininha pousou o cocãozinho no meu ombro, toda vazia da figura paterna, deu um suspiro e adormeceu. Juro que senti vontade de chorar, mas a alegria conteve minha lamúria. Fiquei todo invocado, parecendo que havia recebido um presente. Os olhos da moça brilharam, as escleróticas se umedeceram.
Aí, eu fui pegando gosto, botando a menininha no meu coração. Quando você bota filho de mãe solteira no coração, ela começa a se aproximar do seu coração. De sorte que, toda vez que a moça via a menininha aconchegada, começava a sentir frio. Estava criada a melhor receita para conquistar mãe solteira.
Sosígenes Bittencourt

Sunday, May 01, 2016

NO DIA DO TRABALHO

No Dia do Trabalho, um casal amanhece se beijando.
Inútil lembrar-lhes o cotidiano. 
Sôfregos, se abraçam, se beijando. 
O Brasil deve ser o país 
onde mais se beija no mundo. 
Falta-se ao trabalho para se beijar. 
Vai-se ao trabalho para se beijar. 
Beija-se ao pingo do sol, no deserto, à beira-mar, 
assim haja quem se preste para beijar. 
Beija-se até sem beijar, mergulhado em sonho, 
de tanto esperar.

No Dia do Trabalho, um casal amanhece se beijando. 
O sol doura o horizonte, aureolado de nuvens, 
o aroma é de mato, de terra, de rio, 
como sói acontecer no Brasil. 
O palco, talvez, sugerisse uma peça musical 
à la Villa-Lobos, eivada de tantos arroubos.

No Dia do Trabalho, não cabe desengano, 
no espaço que estreita o casal 
que amanhece se beijando.

Sosígenes Bittencourt