Um dia, eu vi um seio nuzinho pelo buraquinho da
fechadura. Eu nunca tinha visto aquilo que só tinha o direito de imaginar. Às
vezes, ficava revirando um corpete, escondido por trás da porta, os olhos
encatitados, com medo de levar uma surra, medo de pecado, medo de castigo. Naquela
época, criança não podia ver tudo que queria. Criança era temente a Deus. Havia
infância naquela época. Foi no tempo em que menino brincava com caixinha de
xarope, colecionava tampinha de garrafa. Imagine um seio, um seio nuzinho. Um
seio alaranjado, recebendo uma réstia de sol pela brecha do telhado. Parecia um
pudim de carne. Era uma dessas Marias criadas no meio do mato, matuta acanhada.
Eu não sabia se ficava ou se corria, o medo me atrapalhava. Eu ia lá, vinha cá,
o seio ali, nuzinho, servindo de vitrine à minha curiosidade. Um dia, mainha me
pegou correndo pelo quintal, ofegante, todo espantado. Gaguejei tanto que levei
uns tabefes para dizer o que estava fazendo. Não era nada, não era nada, era eu
querendo ver o seio nu, doido para sentir aquela emoção de novo. Revelava-se o
futuro cidadão morto de curiosidade. Já dizia o poeta inglês William
Wordsworth: A criança é pai do homem.
Sosígenes Bittencourt
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