paisagem. A ventania ficava fazendo uma
zoadinha no ouvido. Seguia pensando na vida, imaginando o futuro, no horário da
esperança. Não sei por que, mas associo a aurora ao porvir. Já minha avó Celina
dizia que a noite era a hora da saudade. Sei lá...
A princípio, eu ia assistir a filmes no Cine
Santa Rosa e Irmãos Maciel. O Cine Santa Rosa ficava na pracinha, como quem ia
para o Bairro do Salgado. Um dia, passou Dr. Jivago, com Omar Sharif e Julie
Christie, um filme americano de 1965. O pessoal do meu tempo deve se lembrar.
Eu comprava uma carteira de Continental, sentava na avenida e pedia uma cerveja
Antártica Paulista. Pedia Brahma Chopp também. Parecia um hominho.
Foi quando, passeando pela Feira de Caruaru,
conheci uma vendedora de sandálias, alpercatas, um bocado de coisa de couro.
Olhos pretos em moldura amendoada, pele morena afogueada, feito um cavalo
alazão. Era todinha um chocolate. Nem parecia gente, parecia uma figura de
livro, de romance, de literatura. Ou qualquer coisa que só aparece em sonho. Os
cabelos batiam na cintura, e a boca tinha um eterno frescor de chiclete
Ping-Pong. Eu ficava o dia todo peruando pra namorar com ela. Um dia, a gente
namorou numa esquina lá na Caruá. E eu terminei dormindo na Princesa do
Agreste, inalando aquele cheirinho de travesseiro de marcela que tem pr'aquelas
bandas. Chega dava sono. A morena era boazinha que era danada, toda silenciosa,
andava devagar e ria baixinho. Os olhos é que eram tagarelas. Dava vontade de
comer um pedaço, embora, naquele tempo, a gente namorasse de roupa, era
proibido namorar nu. Eu ficava tão contente que botava pra contar história.
Dava um pigarro e enfeitava a conversa. Meus colegas diziam que eu estava
mentindo. Minha mãe também pensava que eu mentia. Um dia, descobriu que era
poesia.
Adolescente abraço!
Sosígenes Bittencourt
2 comments:
Uma vez, eu fui comer carne de sol na brasa lá em Encruzilhada. Naquele tempo, Encruzilhada era um lugarejo próximo a Caruaru. Minha memória reproduz aquele instante, ainda me mostra aquela senhora muito delicada, com uma garrafa de cerveja e um frasquinho de manteiga de garrafa na mão. Trouxe a pimenta malagueta também. Era à tardinha. O cheiro do carvão, de mato verde, mingau de Maizena, pneu queimando se espalhava pelo ar. Bate uma saudade da vida que foi vivida e nunca mais será.
Rodoviária, para mim, é recanto poético.
Lugar de saudade em tom patético.
Uma menina pequena, um idoso,
Um saquinho de pipoca, um Mané Gostoso.
Um bêbado a chorar, debruçado numa mesa de bar.
Uma esperança ao amanhecer,
Uma lembrança ao anoitecer.
Bate sempre uma saudade no ar.
Uma saudade da vida vivida que nunca mais será.
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