Sou do tempo em que havia tempo de
acompanhar a réstia do sol e contar estrelas.
Sou do tempo em que o coral dos grilos
executava a sonoplastia das estrelas.
Se os primeiros anos de vida marcam o
homem, como uma tatuagem na memória, devo ter influência de minha primeira
infância na Feira das Panelas, em Vitória de Santo Antão. Comi macaquinho de
feijão com farinha e jaca dura no palito. Sou do tempo da laranja-da-baía-de-umbigo.
Nunca mais vi um maracujá-açu.
Sou do tempo em que menino não pitava
“cannabis sativa”, não portava arma de fogo nem namorava nu. Criança não
estirava língua nem estalava banana para os mais velhos; tempo da palmatória
nos argumentos de matemática.
Sou do tempo em que safadeza sexual era
pecado e urinar no meio da rua era falta de educação.
Levei chinelada porque tudo que ia
contar, enfeitava de adjetivo, num arrodeio que parecia invenção. Mais tarde,
minha mãe descobriu que não era mentira, era poesia.
Minhas maiores alegrias foram quando
aprendi a soletrar e que mulher foi feita pra namorar.
Um dia, eu vi o Cego de Apoti, cantando
na feira. Era um cidadão que enxergava com a voz.
Às vezes, uso chapéu de palha para
saber se tenho cara de matuto.
Sosígenes Bittencourt
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