Se algum dos passageiros do Boeing 1907 da Gol teve tempo de concatenar idéias antes de se pulverizar no espaço, deve ter imaginado que estava sobrevoando o inferno ou viajando em sua direção. Nas poucas pontes aéreas que fiz, pensei em Deus e no Diabo, no Céu e no Inferno. Quando fui a São Paulo, em minha viagem inaugural, não confiei nos efeitos lentos da cerveja, ensopei-me de vinho. Talvez, não tenha morrido de medo, porque a aeromoça parecia um anjo, o que me lembrava mais o paraíso eterno do que as coivaras medonhas da moradia de Satanás. O zumbido do avião, as luzinhas lá embaixo, tremeluzindo na escuridão, as macaquices sobre como preparar-se para um pouso forçado eram de estimular a peristalse intestinal. Quando me lembrava de Ariano Suassuna, sentia vontade de pedir para parar. Ariano diz que “não fica abismado quando um avião cai, fica impressionado como é que ele sobe”. Mas, ao imaginar-lhe o rosto magro e pálido, afundado em sua cadeira de balanço, logo me voltava para a aeromoça loira e de tez angelical, rogando-lhe mais um Chateau. Imagine se soubesse que há gambiarras no Sindacta 1, e Zona Cega do norte de Mato Grosso à Bahia, sem “salvador”... Como senti temores aeronáuticos, aprisionado na gigantesca geringonça que me levava para São Paulo... Ao sair de Recife, vi a orla marítima de Boa Viagem se distanciando, com sua grinalda à beira-mar. Ao começar a descer sobre a capital bandeirante, vi um mundaréu de edifícios embaçados por cinzentas nuvens de chuva. O ranger do avião parecia uma sentença para aqueles executivos ainda ressonando ao lado. Não tem quem não rogue a Deus vigiar por nós, contra as maquinações do Diabo. Ao sair, a aeromoça: - Fez boa viagem, senhor? (E eu, livre e feliz: - Com você, me senti no céu.) Aí, minha colega ao lado: - Já estás conversando besteira.
Sosígenes Bittencourt
(Comentário: sosigenesbittencourt@hotmail.com)
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