Tuesday, December 12, 2006

Ponte aérea inaugural




Se algum dos passageiros do Boeing 1907 da Gol teve tempo de concatenar idéias antes de se pulverizar no espaço, deve ter imaginado que estava sobrevoando o inferno ou viajando em sua direção. Nas poucas pontes aéreas que fiz, pensei em Deus e no Diabo, no Céu e no Inferno. Quando fui a São Paulo, em minha viagem inaugural, não confiei nos efeitos lentos da cerveja, ensopei-me de vinho. Talvez, não tenha morrido de medo, porque a aeromoça parecia um anjo, o que me lembrava mais o paraíso eterno do que as coivaras medonhas da moradia de Satanás. O zumbido do avião, as luzinhas lá embaixo, tremeluzindo na escuridão, as macaquices sobre como preparar-se para um pouso forçado eram de estimular a peristalse intestinal. Quando me lembrava de Ariano Suassuna, sentia vontade de pedir para parar. Ariano diz que “não fica abismado quando um avião cai, fica impressionado como é que ele sobe”. Mas, ao imaginar-lhe o rosto magro e pálido, afundado em sua cadeira de balanço, logo me voltava para a aeromoça loira e de tez angelical, rogando-lhe mais um Chateau. Imagine se soubesse que há gambiarras no Sindacta 1, e Zona Cega do norte de Mato Grosso à Bahia, sem “salvador”... Como senti temores aeronáuticos, aprisionado na gigantesca geringonça que me levava para São Paulo... Ao sair de Recife, vi a orla marítima de Boa Viagem se distanciando, com sua grinalda à beira-mar. Ao começar a descer sobre a capital bandeirante, vi um mundaréu de edifícios embaçados por cinzentas nuvens de chuva. O ranger do avião parecia uma sentença para aqueles executivos ainda ressonando ao lado. Não tem quem não rogue a Deus vigiar por nós, contra as maquinações do Diabo. Ao sair, a aeromoça: - Fez boa viagem, senhor? (E eu, livre e feliz: - Com você, me senti no céu.) Aí, minha colega ao lado: - Já estás conversando besteira.
Sosígenes Bittencourt

(Comentário: sosigenesbittencourt@hotmail.com)

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