Há quem pense que Prudência é cautela, cuidado, e até confunda com temor. Prudência é muito mais. Às vezes, Prudência é ser violento na medida e hora adequadas. Seria, no caso, o bom uso da ira. Nenhum sentimento é bom ou mau, mas o que se faz com o sentimento. Na mitologia grega, Prudência é Métis, uma das esposas de Zeus, deus do Céu e das tempestades, deus dos deuses. Quando Métis engravidou, a deusa Gaia profetizou que ela teria um filho que destronaria o pai. Zeus, então, arretado com aquela caduquice, convidou Métis para brincar de metamorfosear, ou seja, um transformar o outro no que quisesse. Contente com a ideia, Métis se prestou para a artimanha. Sabido, Zeus transformou Métis numa mosca e a engoliu. Passados alguns dias, Zeus teve uma dor de cabeça da gota. Apavorado com a dor que só aumentava, convidou Prometeu a abrir-lhe uma fenda no cocão, delicadamente, com um machadinho. Foi daí que nasceu Atena, deusa da sabedoria, exatamente por haver sido gerada na cabeça, sede da razão e da inteligência. Copiou? Pois bem, observe o que aconteceu, certa vez, numa cidade, cujos personagens, agora, são reais.
O bêbado e a prudente
Morava numa ruazinha de uma cidade interiorana, um casal, cujo marido dava porrada na mulher todos os dias. Tomava as cachaças safadas dele e baixava a ripa na genitora dos seus filhos. A mulher urrava, os meninos choravam, uma cena de dilacerar o coração. A vizinhança não aguentava mais, sobretudo as mulheres, e resolveram insuflar na vítima a ideia de exterminar o seu carrasco, aniquilar o seu algoz. Certo dia, o doido saiu de casa ameaçando-a de morte. Avisou que iria tomar uma carraspana e voltaria para matá-la. Aí, foi o momento assaz oportuno para se prever o que aconteceria. As vizinhas entupiram um bacamarte de pólvora e deram-lhe para receber o seu prometido assassino. Quando foi lá para as tantas, à boquinha da noite, lá vem o bêbado trôpego, espumando de ódio. Porque, além de massacrar a mulher, ele ainda morria de raiva da pobre coitada. Descarregava nela seus traumas, liberava seus demônios. Quando, porém, entrou em casa e disse que chegara para cumprir a ameaça, deu de cara com a mulher sentada na cozinha, com o bacamarte encostado na ponta da mesa e voltado para o seu peito.
- Mulher, eu não disse que vinha te matar!...
- Estava enganado, você vinha morrer.
E detonou no ébrio, que seus pedaços voaram na parede. O palco ficou lambuzado de sangue e carne triturada. Do quintal, as vizinhas já gritavam: - Atira nele, Fulana! Agora, minha filha! Vai, Fulana! Ele vai te matar, abestalhada!
Bummmmmmmm! Haviam colocado pólvora demais. Elas entraram na casa, pegaram na mão da mulher e a levaram para a Delegacia.
- Vamos, minha filha, dizer que você matou esse desgraçado!
Prudente abraço!
Sosígenes Bittencourt
5 comments:
Qual a moral da história da mulher se vingar do homem? Eu não entendi o que isso se relaciona com a sabedoria e prudência. O professor me desculpe a ignorância, mais poderia me explicar? Obg.
viva a mitologia dos gregos.
Se ela não mata o bêbado que a espancava, ele a mataria e os seus filhos ficariam nas mãos do carrasco. Nem ela merecia morrer nem seus filhos mereciam ficar abandonados. É o que se poderia chamar de "malus bonus", ou seja, o mal bom, cujo resultado foi o menos danoso. Daí, a noção de Prudência como sendo previsão, sagacidade, ação oportuna, adequada, sem a qual a desgraça seria infinitamente maior.
Explicativo abraço!
Professor, boa tarde!
Posso discordar do Senhor um pouquinho? Eu não acredito no malus bonus, no mal com boa intensão, o mal é o mal e pronto! Abaixo seguem os "meus serás, os meus questionamentos"...
- Será que a decisão de matar seu algoz não foi totalmente irracional, levada pelo calor da emoção e pela influência de suas vizinhas?
- Será que foi mesmo acertada, prudente e oportuna radicalizar a situação com o fato de tê-lo matado?
- Será que ela não teria como uma segunda opção ir embora, fugir dele, deixá-lo abandonado à própria sorte?
- Será que ela não optou, por assim dizer, não pelo caminho mais fácil, pela forma mais rápida de se livrar dele?
- Será mesmo que a morte dele era a solução definitiva para os espancamentos dela e de seus filhos?
- Como será que ficou sua cabeça sendo apontada como assassina de seu próprio marido, ter de criar os flhos sozinha e conviver com essa morte até o fim de seus dias?
Sei que não devemos pré julgar ninguém sem termos sentido na pele a sensação que o outro sentiu; sem nos colocarmos no lugar do outro; mas compartilho da ideia de que: "Da mesma forma que não podemos dar a vida, também não podemos tirá-la de ninguém. A mãe não dá a vida, a mãe é o instrumento usado por Deus para, durante os nove meses, proteger e alimentar a vida".
Mas também sou consciente de que cada caso é um em especial e que no calor da emoção, muitas vezes, agimos como animais irracionais. E, que nunca cometeu pecado que atire a primeira pedra; e eu não ousaria atirá-la. Um abraço dominical! Walkíria Araújo.
Analisando direitinho, melhor tomar um tiro do que dar um tiro. Quem toma um tiro não tem do que se arrepender. A dor foi feita para o homem. Porém, quem dá um tiro, passará a vida inteira vendo o seu ato refletido no semblante do seu semelhante. A mulher do caso não foi impelida a matar pela emoção, foi pela reflexão, o que, de certa forma, associa o seu ato à malícia, configurando crime premeditado. O medo engendra duas ações no homem, a luta ou a fuga. Ela optou pelo enfrentamento. Mediu a dimensão do risco, sabia que poderia enfrentá-lo. A Vontade é uma faculdade do ser humano, cuja virtude é a Coragem. No Brasil, as pessoas humildes são obrigadas a tomar as rédeas do seu destino porque não encontram respaldo na Justiça. Esse deve ter sido o motivo de sua resolução. Porque as perguntas que se impõem são as seguintes: Quem a protegeria? Para onde iria? Fugiria com os menores pela estrada? Quantas mulheres sepultamos, anualmente, vítimas de seus algozes, com queixa prestada na Polícia e pedido de garantia de vida à Justiça?
Polêmico abraço!
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