Thursday, October 06, 2011

O cãozinho dodói


O cãozinho doente dói na gente. O cãozinho é feito gente. Porque todo mundo morre e nunca se acostuma com a morte.
O poodle é bichano tão sabido que não fala porque não foi à escola. Quando sua dona viajou, o poodle pegou o seu chinelinho e ficou empurrando por debaixo da porta. Todo mofino, nem sei se pode-se dizer que era saudade. Predicativamente amoroso, dorme sob a cama, puxa o lençol.
O cãozinho anda dodói que dói. Diz que é hepatite.
- Na casa tem rato? - pergunta o doutor de bichos.
- Não, mas eu vi um subindo pela parede. O senhor sabe a função do rato, doutor?
- Pergunte a Deus?
Às vezes, seres racionais, pessoas de verdade, envenenam seu semelhante por vontade. O rato nada sabe de sua letalidade.
Mas, o poodle doente dói na gente. Lembro-me da advertência: Se você vai criar um bicho, saiba que aquilo é feito gente. Um dia morre e é um velório normal. A gente morre de velho e não se acostuma com a morte. Carregamos um obituário no cérebro, a fisionomia de nossos mortos na memória, seus rostos pálidos, frios e suarentos dos derradeiros momentos.
- Você se lembra de fulano, sicrana?
- Lembro. Parecia que estava dormindo.
Mas, o poodle fica nos olhando, anda capengando pela casa, somos uma espécie de seu deus. Houve um tempo em que os homens eram assim, agiam pelo instinto, não havia concepção de mitos nem desejos. Os homens eram uma espécie de demônios. Menos mal, hoje parecem o diabo em figura de gente.
Mas, o poodle parece que está com hepatite. Deus o livre da leptospirose. Foi alguma extravagância que ele fez, apesar de que não bebe. Um cidadão deduziu que o homem é o mais burro dos animais. E explica, todo contente com sua invenção: - Você já viu um cavalo com um cigarro no bico? Um jumento tomando cachaça?
Risos!
O poodle, tomara que não tenha que relatar sua morte. As pessoas choram, e a função do escritor é alegrar as pessoas. Oremos pelo bichano.
Veterinário abraço!
Sosígenes Bittencourt

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