Friday, April 08, 2011

A chacina de Realengo


Cada cabeça é um mundo, cada doido é um doido. Ninguém se conhece totalmente nem é capaz de prever suas próprias reações. Contudo, tem ser humano que faz tempestade em copo d’água, enquanto outros reagem com vigor e talento diante das turbulências da vida. Segundo Bill Clinton, cheio dos ouros, “a vida é dura”. Euclides da Cunha dizia que “viver é adaptar-se”. Conhecemos humanos mal nascidos que dão pra gente, e gente bem nascida que não vale um conto de réis. Wellington Menezes de Oliveira, protagonista do massacre em Realengo, era filho de uma desmiolada, não bebia, não fumava, mal falava e nunca namorou. Tinha 23 anos. Ultimamente, havia dito que queria sacudir um avião no Cristo Redentor. Deixou a barba crescer e ficou parecendo um terrorista à la Osama Bin Laden. O que ninguém sabia era que Wellington estava doido pra matar criança, encarnando a figura de Herodes, sem Jesus no coração. Porque Machado de Assis nasceu mulato, epiléptico, pobre, foi criado pelos outros e deu pra gente. Apesar de gago, canhoto, mirradinho todo, fundou a Academia Brasileira de Letras. Era um homem na acepção virtuosa da palavra. Machado dizia que “a criança é o pai do homem”. Deve ter se referido ao interior da criança, porque, por fora, ele mesmo não mostrava nada. Wellington era um sujeito sem emoções, sem simpatia pela vida, pelos prazeres do mundo. Quem não gosta de nada é fronteiriço da loucura. Wellington não tinha paixões, não externava alegria. Por isso, tristíssimo, massacrou inocentes, estava doido. O que tinham aquelas crianças com suas tragédias pessoais? Por que haveriam de morrer, por causa do seu ódio, sua revolta, seus desgostos? De que serviria tamanho derramamento de sangue? Sua carta está cheia de ternurinhas, querendo ser enrolado em lençol branquinho e se deitar ao lado da sepultura onde sua genitora dorme. Fala em Deus sem lavar a boca e manda que peçam perdão ao Senhor para suas malvadezas. Rogou, em vida, que nenhum imundo o tocasse sem luvas. Como ninguém era tão imundo, desobedeceram. Embora tenha procurado o médico, abandonou o tratamento, o que não deixou de ser bom para o psiquiatra. Era tão egoísta que se matou. Não queria que ninguém tivesse o privilégio de tirar sua vida. O demônio é cheio de brincadeira. O demônio, às vezes, tem nome.

Truculento abraço!

Sosígenes Bittencourt

2 comments:

Anonymous said...

Estamos vivendo uma época de contagem dos nossos mortos. São crianças inocentes que tiveram suas vidas ceifadas, conhecidos e desconhecidos que morrem de repente, e recentemente, a morte de Luciano Pedrosa. Aonde vamos chegar com tanta barbárie? Como cidadão brasileiro, sinto-me indignado e com um sentimento de incapacidade diante da realidade dos fatos. São as mesmas notícias há décadas: insegurança (temos medo até da própria sombra), a educação e saúde no mesmo caos de sempre. Se essa trilogia fosse bem cuidada, poderíamos viver com mais tranquilidade. Enquanto isso não acontece, esse quadro ficará do mesmo jeito. Revoltado abraço.

Sosígenes Bittencourt said...

Aliás, quem poderá ser saudável, assustado com a própria sombra? O medo é uma séria ameaça à saúde mental, com repercussão sobre todo o organismo.
É preciso criar um protocolo para identificar as armas e o seu trânsito, como se faz com automóvel.
Luciano se expunha demais quando andava de peito aberto nas ruas. Não era questão de coragem, era imprudência. Porém, a barbaridade perpetrada não foi privilégio de Luciano, pode ocorrer a qualquer um de nós.
Prudente abraço!