Depois não me acusem de sensacionalista. Porque esta era uma imagem que eu não desejaria exibir exatamente no centenário do Dia Internacional da Mulher. Contudo, trata-se de uma mulher. Dessas que nascem e sonham como todas as mulheres do mundo. Dona Eleni não era um ente de outra esfera. Do ponto de vista cristão, era nossa irmã. Igual a nós, como nossa mãe, nossos filhos. Aos 40 anos, morava na areia da praia de Boa Viagem, na zona sul do Recife.
Outro dia, eu conversava, por telefone, com o professor Elcias Ferreira da Costa, artesão do livro A Vitória da Fé, quando lhe dizia que aqui também havia um Haiti. Dias depois, tomei conhecimento, através de matéria no Jornal do Commercio, intitulada "Nossos Haitis", da história de dona Eleni Costa Souza, um flagrante da condição sub-humana em que vivem milhares de "haitianos" verde-amarelos por esses brasis. A publicação foi do dia 31 de janeiro. No dia 4 de fevereiro, dona Eleni estava morta, numa gaveta da geladeira do Hospital Agamenon Magalhães, sem um papel impresso que comprovasse sua existência. Nesse mesmo dia, o seu marido, Erivaldo Braz dos Santos, de 27 anos, procurou, atarantado, um documento onde constasse o seu nome, para sepultá-la com o mínimo de dignidade. Não obteve êxito. Desesperado e solitário, terminou assaltando uma turista que fazia cooper no calçadão de Boa Viagem e foi parar na cadeia. Logo ali, bem pertinho de onde, há três semanas, lhe negaram comida, da que iria embalada para o Haiti.
Dona Eleni não foi periciada porque não ficou provado, burocraticamente, que nasceu e morreu. Nem os acadêmicos de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) quiseram o seu cadáver para estudo. E dona Eleni foi atirada na vala comum, como lixo humano, num caixão de coleta de entulhos na EMLURB. Esse terremoto não é da natureza física do universo, é da natureza humana, e mata sem alaridos e sem estrondo, soterrando vidas silenciosamente.
Sosígenes Bittencourt
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