Tuesday, May 06, 2014

Eu sonhei que estava no Recife Antigo



Eu sonhei que estava no Recife Antigo, na década de 80, às tantas da madrugada. Parava na esquina, puxava um Hollywood do bolso e acendia. Depois de soltar uma baforada, ficava pensando: por aqui já passou muita gente que já morreu.
Ali, antigamente, tinha um bocado de cabaré. Era bom demais. Rua da Moeda, Vigário Tenório, Torre Malakoff... O Oceano Atlântico ficava ali na frente, ventilando, cheiroso, fazendo uma zoadinha. Tinha o Tonny Drink’s, o Capitólio, Night and Day... As meninas eram esguias, vestidinho curtinho, tamanquinho e rabo de cavalo. A boite estava aromática, ervas pelo chão, uma bola prateada girando à luz negra. A gente pagava 5 mil réis e tinha direito a uma dose de Ron Montilla com um limão escanchado na beira do copo. Recebia, também, um saco de pipoca milho em flor. Aí, veio uma camarada branquinha, sentou-se ao meu lado, apoiou o queixo sobre as mãos enclavinhadas e perguntou: - Tudo bem?
E eu, todo amostrado: Melhorou muito!
Pegou na minha mão, deu um cheiro na minha bochecha e me tirou pra dançar. A gente dançava solto, uns ritmos quentes, americanos. Quando ela ria, o rosto ficava todo iluminado, parecia que eu estava sonhando. Eu era maneiro, o sangue desintoxicado, todo novo. Nunca me esqueço desse sonho que já sonhei tantas vezes. Nunca me esqueço de que, quando fomos dormir, ela escovou os dentes. É a vida. Nem tudo a gente pode contar. O sexo ficou para a cama, e os segredos do amor, para o coração.
Onírico abraço!
Sosígenes Bittencourt

1 comment:

Sosígenes Bittencourt said...

Aliás, não nos esqueçamos do Chanteclair e o Moulin Rouge, em homenagem aos franceses, nem do Nigth and Day, redutos dos poetas e boêmios da Zona de Baixo Meretrício do Recife Antigo. As mulheres eram verdadeiras atrizes. Imitavam o amor com tanta perfeição que muitas foram resgatadas pela amigação. Isso foi no tempo da blenorragia e da cura com Tetrex. Não havia essa doença quem vem do macaco e remete a vítima à Terra dos Pés Juntos.